Em
um momento em que a transparência nas relações profissionais é cada vez mais
exigida, a Resolução CFM nº 2.386/2024 surge como uma medida essencial para
prevenir conflitos de interesse e garantir a autonomia médica. Publicada em
setembro, a nova norma do Conselho Federal de Medicina busca regulamentar e
aprimorar a conduta ética nas interações entre médicos e indústrias
farmacêuticas, de insumos e de equipamentos médicos. A iniciativa reflete uma
preocupação crescente no Brasil e globalmente sobre as influências externas nas
decisões clínicas, buscando proteger tanto os profissionais quanto os
pacientes.
Quais
são os novos requisitos para médicos?
A
Resolução CFM nº 2.386/2024 entrará em vigor 180 dias após sua publicação,
concedendo aos médicos tempo para se adequarem às novas exigências. A norma
estabelece que todos os médicos que mantêm qualquer tipo de vínculo com setores
das indústrias da área da saúde (como farmácias, laboratórios e fabricantes de
equipamentos) deverão informar esses vínculos na plataforma do CRM-Virtual da
região onde possuem inscrição ativa, além de reportar o término dessas
relações.
Os
vínculos a serem declarados incluem desde contratos formais de
trabalho até consultorias, participação em pesquisa e atuação como
palestrantes remunerados (speakers). Os conflitos de interesse, quando
aplicáveis, serão divulgados em uma plataforma própria do CFM para assegurar
que pacientes e a sociedade tenham conhecimento de possíveis influências
externas.
Proibições
e restrições impostas pela nova resolução
A
norma também proíbe o recebimento de benefícios relacionados a medicamentos,
órteses, próteses, materiais especiais e equipamentos hospitalares sem registro
na Anvisa, salvo nos casos de protocolos de pesquisa aprovados por Comitês de
Ética. O médico deverá prestar essa informação em até 60 dias após o
recebimento do benefício, garantindo que todas as interações sejam devidamente
reportadas.
Ficam
excluídos da obrigação de declaração:
- Rendimentos e dividendos provenientes de investimentos em ações ou cotas de participação em empresas do setor
de saúde, contanto que a relação seja puramente financeira.
- Amostras grátis de medicamentos ou produtos médicos, desde que distribuídas conforme normas éticas
vigentes.
- Benefícios recebidos por sociedades científicas e
entidades médicas, desde que
sem influências diretas nas decisões clínicas.
Impacto
para o mercado e para os profissionais de saúde
O
objetivo central da Resolução é garantir maior transparência e preservar a
independência dos médicos nas decisões clínicas, evitando que práticas de
marketing possam comprometer a autonomia do profissional e a qualidade do
atendimento ao paciente.
Sabe-se
que o marketing na saúde pode influenciar tanto políticas públicas quanto
privadas, inclusive pressionando a aquisição de medicamentos e insumos de alto
custo. Para evitar que isso ocorra, a Resolução CFM nº 2.386/2024 estabelece
diretrizes éticas que visam preservar a independência do profissional e
garantir a melhor assistência aos pacientes.
Ao
coibir práticas que possam gerar influência indevida nas decisões clínicas, a
norma contribui para um ambiente mais seguro e transparente para todos os
envolvidos.
O
cenário regulatório e seus desafios no Brasil
Por
ser uma modalidade de regulamentação relativamente nova no cenário brasileiro,
a implementação dessa norma traz desafios significativos para os profissionais
de saúde. A ausência de uma regulação específica anteriormente para as relações
entre médicos e indústrias no Brasil gerava insegurança tanto para
profissionais quanto para a sociedade.
Nos
Estados Unidos, por exemplo, medidas similares foram adotadas através do Physician
Payments Sunshine Act, que serve de referência para a nova
Resolução do CFM. No Brasil, espera-se que essa norma sirva de marco para
futuras regulamentações que possam consolidar práticas mais transparentes e
éticas no setor da saúde.
O
impacto da Resolução será sentido principalmente por médicos que possuem
múltiplos vínculos com a indústria da saúde, exigindo uma revisão cuidadosa de
suas interações para garantir a conformidade com as novas diretrizes. O não
cumprimento das obrigações previstas pode resultar em sanções impostas pelos
Conselhos Regionais de Medicina.
Exemplos
práticos de conformidade
Internacionalmente,
empresas de saúde têm se adequado a normas de transparência por meio da criação
de sistemas de compliance robustos e do monitoramento constante de suas
relações com profissionais de saúde. No Brasil, essa tendência também começa a
ganhar espaço, com médicos e empresas ajustando seus contratos para garantir
que todos os benefícios recebidos sejam devidamente reportados.
Alguns
exemplos práticos de conformidade incluem:
- Médicos que atuam como palestrantes remunerados para
laboratórios e que agora devem registrar esses vínculosno
CRM-Virtual.
- Hospitais que mantêm parcerias com fabricantes de
equipamentos e que precisam formalizar essas relaçõespara
evitar qualquer conflito de interesse.
Ao
seguir essas práticas, médicos e empresas podem assegurar que estão em
conformidade com a nova Resolução e que promovem um ambiente mais ético e
seguro.
A
Resolução CFM nº 2.386/2024 é um marco regulatório importante para o Brasil,
promovendo um ambiente mais ético e transparente nas interações entre médicos e
a indústria da saúde. Embora a norma represente um avanço significativo, ela
também traz desafios para profissionais e empresas que precisam adaptar suas
práticas e garantir a conformidade com os novos requisitos.
Para
assegurar um alinhamento adequado com as novas exigências e evitar sanções, é
recomendável que médicos e empresas busquem orientação jurídica
especializada para revisar contratos e relações de trabalho. Assim, a
Resolução poderá cumprir seu objetivo de reforçar a confiança da sociedade nas
recomendações e decisões dos profissionais de saúde.
Ana
Paula de Carvalho -
advogada no escritório Alceu, Machado Sperb & Bonat
Cordeiro Advocacia nas
áreas do Direito Societário e Contratos Empresariais.
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